segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Diluição

Traduzi este texto há algumas semanas e postei no grupo do Parkour Brasil no Facebook. Mas como as coisas por lá tendem a se perder rapidamente, resolvi deixar ele postado por aqui também para eu não ter que me preocupar em mantê-lo no meu Google Drive.

Diluição
Chris "Blane" Rowatt


Diluição:

  1. O processo de enfraquecer ou tornar menos concentrado.
  2. Uma condição diluida ou enfraquecida.
  3. Uma substáncia diluida.

Eu não tenho postado faz algum tempo pois minha mente tem estado ocupado e só agora eu senti vontade de compartilhar o resultado dos meus pensamentos. Essa introdução pode te ofender, pode parecer que é direcionada a você e talvez ela seja.

Eu posso viver sendo odiado, mas eu não posso continuar vivendo com esta opinião e não a compartilhando com as pessoas que eu acho que podem se beneficiar com ela. Eu sei que eu não sou o único que compartilha desta mesma opinião e eu sinto que vale a pena torna-la pública se ela mudar a mentalidade ou ajudar pelo menos uma pessoa. Isto é primeiramente para um amigo meu que eu não tenho treinado há algum tempo. Um amigo que parece estar um pouco desanimado com seu treino, um pouco distante, um pouco preocupado ao pensar que ele não é tão bom quanto as outras pessoas. Isto é para ele e todas as outras pessoas que se sentem desmotivados vendo as pessoas em volta fazendo coisas que eles não conseguem… e também para os inciantes no Parkour.

Ontem foi meu 1300 como praticante de Parkour. Eu não sou muito fá de aniversários mas este foi o dia em que meus pensamentos de duas semanas se encontraram e se fundiram para se tornarem sólido em minha cabeça.


Eu comecei a treinar 1301 dias atrás em 10 de Setembro de 2003, o dia após Jump Londo ter passado pela primeira vez no Channel 4 e é incrível pensar tudo o que tem acontecido e o quanto minha vida mudou desde então.

Eu me lembro perfeitamente do primeiro treino que eu tive, 185 semanas e 86 dias atrás. Ele foi com meu amigo na época, Tom, e nós dois estávamos entusiasmados por ter assistado Jump London e queriamos  de cara já começar pulando! Eu lembro ter tentado allguns vaults, pequenos saltos pelo buraco do balanço em movimento e eu lembro que a minha primeira experiéncia real com o medo no Parkour foi quando eu saltei do telhado de um ginásio da região e rolei na grama. Aquilo foi formidável na época e eu acho que tinha cerca de 2 metros de altura. Eu fiz isso por que eu achei que  Parkour era isto, pulando de lugares altos.
Agora, como a maioria das pessoas irão te dizer, os dias seguintes do seu primeiro treino são terríveis. Quem lembra aquela sensação inexplicável de dor ao tentar subir uma escada no dia seguinte do seu primeiro treino hardcore? Eu lembro meus quadriceps doloridos por duas semanas como se tivesse sido espancado por uma gangue de bandidos nervosos com tacos de baseball.


Atualmente existe uma grande riqueza de informação disponível para as pessoas que começam que nunca existiu no ínicio dos meus treinos. Era na maioria das vezes tentativa e erro, com uma grande dose do erro. Mas apesar dos benefícios que aprender com as experiéncia passadas dos traceurs veteranos pode trazer, eu não posso me conter  e pensar nas consequencias disso.

Eu imagino o quanto deve ter sido dificil para David Belle e todos os outros traceurs originais de Lisses quando eles mergulharam em diração a escuridão há mais de 15 anos, não tendo ideia sobre o que estavam fazendo ou onde isto os levariam. Eles lentamente criaram um caminho em uma nova diração e  foram iluminando o caminho para que as pessoas pudessem segui-los. Levou muitos anos para esses caras criarem os movimentos mais básicos e aperfeiçoa-los para um nível em que quase todos os obstáculos pudessem ser ultrapassados usando apenas um punhado de técnicas, e isso é uma conquista remarcável. Uma jornada épica que um novo traceur pode superar aprendendo 10 novas técnicas em 2 meses, que normalmente levaria 5 anos de treinamento na década de 90 em Lisses para seren aprendidos.

Então neste rítimo de desenvolvimento, progressão e aprendizado, certamente nós os alcançaremos neste caminho e então poderemos os ajudar a ilumina-lo, certo?

Não, eu acho que não.


Eu acho que estamos viajando muito rápido por esta caminho que uma hora nosso combustível vai acabar antes de alcançarmos. Eles estão olhando para trás e nos vendo distantes, e eu acho que provavelmente eles estão esperando que nós os alcancemos para ajudar a desenvolver a disciplina, mas eu acho que muitas pessoas da geração futura nunca conseguirão.

Parafraseando Stephane Vigroux, “Eu acho que para muitas pessoas isto deve ser pessoal… todo mundo está se movendo… Eu estou realmente feliz por eles… mas muito rápido, muito fácil, muito show… muito.”

Existem pessoas que treinam há menos de um ano que estão fazendo coisas maiores e mais distantes do que alguns caras que treinam por quatro anos e eu acredito que isto acontece principalmente pela grande biblioteca de conhecimento que se tem disponível hoje em dia. Isso pode parecer bom a princípio, pois uma vez que as gerações vão se desenvolvendo nós teremos novos caras para substituir o processo de tentativa e erro e apenas fazerem o que têm se provado funcionar, para chegar a um bom nível no Parkour. Mas eu estou preocupado.

Eu acho que o processo de tentativa e erro ensinou os traceurs originais de Lisses sobre eles mesmos e injetou neles criatividade, paixão e coragem que estão sendo esquecidos hoje em dia and sendo substituidos pelo “treino de acordo com o livro”. Não apenas eu acredito que a adaptação mental e física deles é muito maior do que a minha, eu acredito que isso será diluido cada vez mais no futuro conforme as novas gerações aparecem e quando os novos traceurs iniciarem seus treinos. As pessoas agora possuem listas de movimentos para aprender e se dedicar e então partirem para outro movimento novo, alguma coisa maior, mais impressionante.


The best way to get respected in the Parkour community today seems to be doing the biggest and best things with the minimum amount of training to get there. As long as you do it, it doesn't matter how sloppy it was, how slow the climb up was, how precise the landing was or how much damage it did to the person. Everybody spreads the word that "X" did "Y" so they must be better than “Z” since they have only been training for “W” months! This approach can quickly escalate and recently I feel it has been destroying the true nature of Parkour. People are doing things to be recognised by other people and it’s tough for the people working hard and progressing steadily to see this going on around them. They feel pressured in to attempting things beyond their level when they see it happening and that’s not their fault.

A melhor forma de coneguir respeito na comunidade do Parkour hoje em dia parecer ser fazendo as maiores e melhores coisas com a menor quantidade de treino para isso. Contanto que você faça, não importa o quanto desleixado você fez, se o climb up foi lento, se a aterrissagem foi certa ou o dano que o movimento causou a pessoa. Todo o mundo espalha o fato que “X” fez “Y” então ele deve ser melhor que “Z” uma vez que eles apenas treinam desde “W” meses! Isso pode facilmente evoluir e recentemente eu tenho sentido que é o motivo pelo destruimento da natureza verdadeira do Parkour. Pessoas estão fazendo coisas para ser reconhecidos por outras pessoas e para as pessoas que treinam pesado e progridem mais devagar, isso pode ser dificil de aceitar. Eles sentem pressão para tentar coisas além do seus níveis quando eles vêem isso acontecendo e a culpa não é deles.

Para mim, Parkour é uma longa e dura campanha - não uma curta batalha épica.

Eu não estou apenas preocupado com a progressão mental e criativa dos novos praticantes sendo sacrificada, eu estou igualmente preocupado com os custos físicos desta tal “progressão de acordo com livro”.

Como eu, alguns de vocês devem ter memórias de um avô que era a única pessoa da família que podia abrir uma jarra de pickles na hora da janta, apesar de sua idade. A “força do vovô” que eu estou falando não era milagre - e sim produto de 60 anos de trabalho manual e uma força produzida por muitos anos de uso repetitivo dos músculos.

Estou preocupado com estes atalhos que existem hoje em dia, que eles possam roubar dos praticantes o desenvolvimento muscular implacável que os traceurs de Lisses possuem, o equilíbrio mental enraízado e a vasta memória muscular que nenhum livro, artigo ou palavra pode dar a eles. A força do vovô.

Nós todos sabemos que você pode condicionar seu corpo desde o ínicio dos seus treinos e isso irá te ajudar tecnicamente, mas eu ainda sinto que as pessoas estão se movendo e progredindo rápido demais. Eu regularmente vejo coisas sendo feitos por traceurs novatos que caras com anos de experiéncia ainda não fizeram e as vezes esses caras mais experiéntes se sentem mal por isso… muitas vezes eles acabam se questionando seu treinamento e se perguntando por que eles não são bons, se perguntando em que ponto foram deixados para tréas e por que todo mundo parecem ser melhores do que eles.

As pessoas têm vindo até mim, literalmente deprimidos com seus treinamentos e procurando conselho, perguntando onde foi que eles erraram e o que os caras novos têm que eles não. A resposta que eu tenho dado a eles é simples. Os novos praticantes que fazem esses saltos imensos, as técnicas impressionantes, o grande, o difícil, longo, longe e etc têm usado um combustível que vai acabar antes que eles imaginem, simplesmente por que o corpo deles não está preparado para o que eles fazem. Não é apenas uma questão de impacto nos joelhos, mas o que dizer sobre os danos causados nos ombros destes novatos fazendo grandes quedas de galho para galho? E seus cotovelos?
Quais serão os efeitos no longo prazo?

Quais serão os efeitos no longo prazo ao fazer cat leaps de 12 pés quando seus ombros ainda não experimentaram 10,000 saltos menores?

Quais serão os efeitos no longo prazo ao fazer quedas de 6 metros no concreto quando suas pernas não experimentaram 10,000 saltos de 2 metros?

O tempo irá dizer.

Observe os melhores traceurs do mundo. Vá a Lisses e os vejam, converse com eles, treine com eles e aprenda. Eles não são os melhores por que são geneticamente abençoados ou eram loucos o suficiente para tentar tudo o que aparecia quando eram jovens e eles não são os melhores por que progrediram rapidamente. Eles são os melhores e os mais fortes por que progrediram de forma consistente. Eles construiram camada sobre camada de armadura sobre seus corpos ao longo dos anos, repetindo movimentos milhares de vezes e não tentando apressar o processo. Eles têm aquela força do vovô encravada e enraizada em seus corpos. Resiliência e resistência a lesões que apenas vém com uma progressão graduativa.

NOTA DO AUTOR: Eu tive a oportunidade de treinar com todos os Yamakasi, e essa parte destacada do texto resume perfeitamente o que eu percebi durantes meses treinando com eles.

Em várias entrevistas do David Belle ele é perguntado sobre lesões, e ele sempre balançou a cabeça e disse que seus joelhos e braços esravam bem, que ele não sentia nenhuma dor. Isso depois de 18 anos de treino. Por outro lado, hoje em dia nós temos caras com um ano de treino tendo que ficar meses se recuperando de lesões nos joelhos, deslocamento de ombro, tendinite… cirurgia para concertar o corpo antes dos 20 anos de idade! É isso uma coincidencia? Ou será que eles estão puxando o limite muito além de suas capacidades físicas? Tentando ser os melhores em comparação com os outros?



Parkour é uma jornada pessoal que requer trabalho duro. Não existem atalhos e nem soluções rápidas. Se você quer “ser e durar” então eu sugiro que você reflita profundamente sobre seu treino e se pergunte se você está fazendo isso por diversão, por alguns anos até você se acalmar e conseguir um emprego, se casar, ter filhos e se aposentar. Se sim, faça o que quiser, faça os saltos imensos, faça o que te der na telha e não olhe para trás. Apenas esteja certo que você está tendo um efeito sobre aqueles que estão na longa caminhada e trabalhando pesado para ficar forte. Tente ter isso em mente quando você dizer “eu faço isto, por que você não faz?”.

Mas se você realmente quer disciplinar seu corpo, se tornar forte e durar no Parkour, então você precisa parar de se comparar com os outros. Pode ser um tanto tentador fazer algo além dos seus limites quando você vê pessoas menos experientes fazendo algo. Seja o maior homem/mulher e perceba o dano que eles têm causado a eles mesmos e se orgulhe ao saber que você não se rendeu a tal pressão. Daqui 10 anos quando eles estiverem andando com uma muleta, você terá a capacidade de fazer aquele salto cem vezes sem escorrer uma gota de suor.

Eu não estou certo de como nós podemos ajudar as próximas gerações de traceurs e o futuro do Parkour. Passando para eles nossa experiência pode os ajudar a se preparar, mas isso não pode substituir a tentativa e erro ou nós nos tornaremos clones de nossos professores. Os elementos “tentativa e erro” e a exploração devem permanecer intactos. Eles também devem ter o direito de progredirem no próprio tempo sem sentir a pressão das pessoas volta. Eu vou tornar isso objetivo pessoal para ajudar as pessoas que eu vejo se sentindo sob pressão para fazer coisas que elas ainda não se sentem preparadas, eu acho que seria ótimo ver as pessoas que lêem este artigo junto comigo nessa jornada.

Para resumir os dois pontos do artigo:

  1. Se você é novo no Parkour, pesquise o máximo possível e aprenda com as pessoas que estão neste caminho antes de você, mas não perca sua criatividade e habilidade de pensar por você mesmo. Tente coisas novas, explore diferentes métodos e progrida no seu próprio rítimo. O que você deve lembrar é que as pessoas antes de você possuem mais experiência física que foi construida de um jeito que eu me regiro como a “força do vovô” e isso não pode ser ensinado ou simplesmente passado a diante. Você pode se apressar na teoria mas não pode recorrer a atalhos durante a prática se você quer durar na disciplina.

    b. Se você é mais experiente no Parkour e sente que os novos praticantes são melhores que você, não se sinta forçado em puxar seus limites ou fazer as coisas só por que eles estão fazendo. Tente avisa-los sobre os perigos de tentar algo além de suas capacidades físicas - o fato de eles conseguirem fazer algo não significa que eles devem fazer. Eles estão  aprendendo mais rápido do que você devido a grande quantidade de informação disponível através do seu trabalho duro.

Se você se importa com o futuro do Parkour é seu dever os ajudar a evoluirem progressivamente e lembrar que eles devem ir com calma quando você achar que eles estão indo rápido demais. Se não nos fizermos isto, o Parkour era lentamente ir morrendo uma vez que os praticantes se tornarão cada vez mais fracos devido lesões, overtraining e destruição das articulações.

Você vai ajudar a diluir o Parkour e seus novos praticantes ou você vai ajudar a concentrar e fortacele-los?

“Caminhe levemente por que você está pisando em meus sonhos” - William Butler Yeats